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Do Direito ao Esquecimento na era Digital

Do Direito ao Esquecimento na era Digital

Do Direito ao Esquecimento na era Digital

Com os vários meios de comunicação digitais (mídias digitais), tais como facebook, whatsapp, twitter, dentre outros, notícias em tempo real pela internet, muitas informações são compartilhadas a cada segundo. A partir de um compartilhamento, uma notícia, foto, vídeo toma proporções mundiais em segundos e milhares de pessoas passam a ter acesso e à informação e conhecimento.

Diante da proporção e rapidez que as informações vem tomando com o avanço da tecnologia, muito se questiona sobre o direito ao esquecimento na era digital, ou seja, o direito da possibilidade de uma pessoa apagar ou remover os seus dados dos meios eletrônicos, de modo que eles não venham a ser mais acessados, “encontrados” pelos meios de busca.

Antes de adentrarmos ao tema, importante serem feitas algumas considerações sobre os direitos da personalidade, dentre eles o direito à imagem e à informação, os quais estão diretamente ligados a questão abordada.

Francisco Amaral define os direitos da personalidade como: “direitos subjetivos que tem por objeto os bens e valores essenciais da pessoa, no seu aspecto físico, moral e intelectual.” (Francisco Amaral, Direito Civil: introdução. P. 243).

Os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, são ainda absolutos, ilimitados, imprescritíveis, impenhoráveis, inexpropriáveis e vitalícios e estão dispostos nos artigos 11 a 21 do Código Civil.

O respeito à dignidade humana encontra-se entre os fundamentos constitucionais pelos quais se orienta o ordenamento jurídico brasileiro na defesa dos direitos personalidade (CF, art. 1º, III). Referidos direitos também estão protegidos artigo 5ª, inciso X, da Constituição Federal.

“Art. 5º

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;”

 

O direito de acesso à informação também encontra-se no mesmo artigo, no inciso XIV: “É assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional;”  

O artigo 220 da CF, também trata sobre a liberdade de informação:

“Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.”

“§ 1º Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.”

O direito ao esquecimento está ganhando repercussão na atualidade e busca-se entender qual o limite entre a liberdade e o acesso à informação, o direito ao esquecimento sobre um fato e o respeito aos direitos da personalidade?

Dentre os direitos da personalidade está o direito à intimidade e à imagem, prescritos no artigo supracitado, sendo a proteção constitucional tanto para pessoas físicas, como para jurídicas, abrangendo a proteção à imagem frente aos meios de comunicação em massa (televisão, jornais, mídias sociais: facebook, twitter).

 De acordo com os ensinamentos de Alexandre de Moraes:

“Não existe qualquer dúvida de que a divulgação de fotos, imagens ou notícias apelativas, injuriosas, desnecessárias para a informação objetiva e de interesse público (CF, art. 5º, XIV), que acarretem injustificado dano à dignidade humana autorizam a ocorrência de indenização por danos materiais e morais, além do respectivo direito à resposta.” (MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional 17ª Ed. Atlas, 2005).

 

No entanto, o citado jurista salienta que essa proteção constitucional em relação àqueles que exercem atividade política ou artística, deve ter interpretação mais restrita, havendo necessidade de uma maior tolerância ao se interpretar o ferimento das inviolabilidades à honra, à intimidade, à vida privada e à imagem, porém, tal interpretação não afasta a proteção constitucional contra ofensas desproporcionais.

No âmbito do direito penal, o direito ao esquecimento abrange o interesse público sobre fatos criminosos e seus autores. Há situações em que esta proteção rigorosa à imagem e à informação deve ser relativizada, ou seja, casos específicos acabam por justificar e legitimar a “violação” da imagem da pessoa do acusado ou condenado, tais como os de repercussão pública, ou que haja necessidade de divulgação para administração da justiça ou manutenção da ordem pública, nos casos, por exemplo, de criminosos fugitivos que estão sendo procurados.

Este é o ensinamento de Sílvio Romero Beltrão:

“[...] via de regra não se pode publicar a imagem, por ser um direito da personalidade, sem prévia autorização de seu possuidor, todavia, o referido comporta algumas exceções, “autorizando-se sua divulgação, independente do consentimento do retratado, caso seja necessária a administração da justiça ou manutenção da ordem pública”. (BELTRÃO, Silvio Romero. Direitos da personalidade: de acordo com o Novo Código Civil. São Paulo: Atlas, 2005.)

Frisa-se que, mesmo no que se refere ao direito à informação, deve haver ponderação na transmissão da informação, na divulgação de uma notícia em jornais, televisão e mídias digitais devendo tal divulgação ter caráter informativo e não sensacionalismo, como no caso de assuntos de foro íntimo, cujo teor pode violar os direitos à personalidade e gerar indenizações de cunho moral e material.

Prescreve o artigo 20 do Código Civil:

“Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.”

Do mesmo modo, no caso de condenados que já cumpriram a pena e ganharam a liberdade, a divulgações de notícias e imagens a seu respeito, deve ter ponderação. Muitas juristas defendem o direito ao esquecimento digital nestes casos. Estela Cristina Bonjardim entende que: “depois de cumprida a pena, porém, nasceria para o condenado o direito do esquecimento de seu passado criminoso, quando readquirira a proteção à imagem.” (BONJARDIM, Estela Cristina. O acusado, sua imagem e a mídia. São Paulo: Max Limonad, 2002.)

No ano de 2013, o Superior Tribunal de Justiça, aplicou o direito ao esquecimento abrangendo a transmissão pelo programa da TV Globo, “Linha Direta”, que reconstruiu a Chacina da Candelária.

O STJ discutiu o direito ao esquecimento contrastando-se com publicações televisivas, que, de acordo com a citada decisão, vão de encontro à reabilitação do condenado, que, como prevê o artigo 93 do Código Penal: A reabilitação alcança quaisquer penas aplicadas em sentença definitiva, assegurando ao condenado o sigilo dos registros sobre o seu processo e condenação.”

A discussão sobre o direito ao esquecimento atualmente veio à tona com o caso ocorrido em 1958, de Ainda Curi, uma adolescente de 18 anos que sofreu agressão sexual, desmaiou e foi jogada com vida de um prédio em Copacabana, no Rio de Janeiro.

Sua família move um processo na Justiça pedindo o direito ao esquecimento acerca das lembranças do crime e tragédia, depois de haver ampla divulgação e dramatização no antigo programa Linha Direta, que era exibido pela TV Globo no ano 2000, considerando que a transmissão trouxe a brutal lembrança e dor para a família vários anos depois.

O citado caso aguarda julgamento no Supremo Tribunal Federal, sob relatoria do ministro Dias Toffoli e terá repercussão geral, servindo de paradigma para decisões futuras.

Em termos legais, ainda não há lei específica a respeito, mas pode-se dizer que o artigo 12 do Código Civil, prevê uma proteção ao direito da personalidade, que permitiria vislumbrar o “direito ao esquecimento” ao estabelecer: “Art. 12: “Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.”

O artigo 497 e parágrafo único do NCPC preveem:

“Art. 497. Na ação que tenha por objeto a prestação de fazer ou de não fazer, o juiz, se procedente o pedido, concederá a tutela específica ou determinará providências que assegurem a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente.”

“Parágrafo único. Para a concessão da tutela específica destinada a inibir a prática, a reiteração ou a continuação de um ilícito, ou a sua remoção, é irrelevante a demonstração da ocorrência de dano ou da existência de culpa ou dolo.”

Mencionado artigo refere-se à medida que vise inibir e prevenir violação aos direitos da personalidade. Os casos de divulgação de conteúdos inverídicos ou imagens e vídeos que exponham a intimidade, facilmente acessados através de provedores de busca são solucionáveis diretamente com o provedor, que deverá retirar o material após a notificação da vítima.

A esse respeito, a Lei nº 12.965 de 2014, estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil e dispõe em seu artigo 21:

“Art. 21.  O provedor de aplicações de internet que disponibilize conteúdo gerado por terceiros será responsabilizado subsidiariamente pela violação da intimidade decorrente da divulgação, sem autorização de seus participantes, de imagens, de vídeos ou de outros materiais contendo cenas de nudez ou de atos sexuais de caráter privado quando, após o recebimento de notificação pelo participante ou seu representante legal, deixar de promover, de forma diligente, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço, a indisponibilização desse conteúdo.”

A discussão no Brasil sobre o direito ao esquecimento tem como referência o modelo o caso do espanhol Mario Costeja González contra o jornal La Vanguardia e o Google, que pleiteou na Justiça a exclusão de links no Google que apontavam para uma notícia de 1998 sobre um leilão judicial de seu apartamento para o pagamento de dívidas com a Previdência. Quinze anos depois, a divulgação sobre o fato ainda causava-lhe constrangimentos. Restou decidido em 2014 pelo Tribunal Europeu a possibilidade de os cidadãos solicitarem a retirada de dados pessoais da internet a partir do direito ao esquecimento.

Em referida decisão, o que o citado Tribunal quis demonstrar, é que não seria qualquer intenção “de ser esquecido” que faria com que o “direito ao esquecimento” prevalecesse, exigindo-se assim, um exercício de ponderação, de acordo com a confrontação com o caso concreto:

“Embora seja verdade que, regra geral, os direitos da pessoa em causa protegidos por esses artigos prevalecem também sobre o referido interesse dos internautas, este equilíbrio pode, todavia, depender, em determinados casos particulares, da natureza da informação em questão e da sua sensibilidade para a vida privada da pessoa em causa, bem como do interesse do público em dispor dessa informação, que pode variar, designadamente, em função do papel desempenhado por essa pessoa na vida pública.” (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UNIÃO EUROPEIA, 13/05/2014).

Nota-se que o tema relacionado ao direito ao esquecimento na era digital ainda é relativamente recente no Brasil e dependerá sempre de cada caso concreto, se trata-se de um fato de interesse público ou particular, da natureza da informação, da ofensa ou lesão causada.

Com a decisão a ser proferida pelo STF do caso Aida Curi, o Brasil poderá trilhar um novo rumo, com repercussão geral, para os demais casos a respeito do direito ao esquecimento.

  • Autor: Dra. Carol Rossini
  • Data: 04/09/2017