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A divisão de bens localizados no exterior

A divisão de bens localizados no exterior

ASPECTOS DA DIVISÃO DE BENS LOCALIZADOS NO EXTERIOR E SUA COMUNICABILIDADE QUANDO DA DIVISÃO

A partir de meados do século XX, o mundo entrou num ciclo de globalização, onde houve uma profunda mudança nas famílias brasileiras a qual passou a ser transnacional em decorrência desta migração de povos, cujos reflexos desta globalização e mistura de raças e povos na constituição da nova família brasileira, tem causado impactos e discussões no mundo acadêmico e jurídico, pois acompanhando a tendência mundial seja em decorrência desta constituição transnacional ou até mesmo para fins de investimentos, as famílias passaram a ter patrimônio em outros locais fora da jurisdição brasileira.

O ponto de discussão no meio acadêmico e jurídico passou a ser sobre a divisão destes bens no caso de partilha, seja a nível de “causa mortis” ou “inter vivos”, uma vez que os juristas muitas vezes analisam tal questão somente sobre a ótica da competência para dirimir tais situações, os quais vão muito além das fronteiras e jurisdição do Poder Judiciário Brasileiro. Fato este que despertou discussão e a inclusão no Novo Código de Processo Civil dos artigos 26 e 27, os quais regulamentam sobre a Cooperação Internacional, a qual será prestada através de tratados de que o Brasil seja signatário ou através da reciprocidade diplomática.

Neste sentido é o ensinamento de Fabrício Bertini Pasquot Polido:

‘A dimensão internacional” das famílias e das relações jurídicas privadas a ela concernentes levantam, assim, questões mais sensíveis para os juristas, sobre tudo pela forma ultrapassada de ele ver o mundo somente sob as lentes de um único sistema jurídico nacional’. (Tratado de Direito das Famílias, pg. 884, Editora IBDFAM).

Muitos Juristas invocam o princípio da territorialidade para alegar sobre a impossibilidade de divisão dos bens situados no exterior, incentivando nestes casos muitas vezes a sonegação de bens por parte do infrator e uma divisão desigual em desrespeito às regras de direito material que regulam sobre a divisão de bens.

Um dos pontos defendidos neste artigo diz respeito justamente ao fato de que muitas vezes a relação jurídica deve ser analisada em cada caso concreto e sob a ótica do direito material substantivo e não somente sobre a regra de direito adjetivo, uma vez que há subsídios para sustentar tal tese, pois há mecanismos no ordenamento jurídico para resolver tal situação internamente e dentro da jurisdição brasileira, uma vez que diante desse novo regramento processual, o qual prevê a Cooperação Internacional, das normas de LINDB e do Código Civil de 2002, é plenamente possível a partilha de bens situados no exterior em decorrência do fim do matrimônio, da união estável e até mesmo “causa mortis”.

O Poder Judiciário muitas vezes limita a decisão aos bens situados no Brasil, sob o fundamento do princípio da territorialidade. No entanto, o princípio da territorialidade deve ser aplicado e interpretado quando houver litígio entre um brasileiro e um estrangeiro situado no exterior, mas não limitar a partilha de bens seja através de atos “inter vivos” ou “causa mortis”, já que muitas vezes a relação jurídica entre os casais tiveram início e origem no Brasil, amealharam bens no Brasil e no Exterior.

Fato este que consolidou-se no Código de Processo Civil de 2015, o qual no artigo 23, inciso III, passou a disciplinar sobre tal fato.

Havendo bens no Brasil e sendo de Competência do Poder Judiciário resolver a respeito da dissolução da relação entre os casais, eventuais bens existentes fora do Brasil também podem ser objeto de partilha pelo Poder Judiciário Brasileiro, devendo ser analisado em primeiro lugar o local e a situação dos bens do casal a serem partilhados. Havendo bens em mais de um país, deve ser analisado a princípio se o Brasil possui algum tratado para sua aplicação a título de Cooperação Internacional.

Não havendo tratado mesmo assim é possível a sua divisão, uma vez que as normas processuais dispõem sobre a exclusividade da Jurisdição Brasileira e não há falta de jurisdição, não sendo permitido ao interprete neste ampliar a sua extensão para afastar por completo a competência do Brasil. Ainda, não pode a regra processual impedir a realização do direito material.

Além da regra processual o artigo 7º da Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro - LINDB, menciona que; “A lei do país em que for domiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família”.

Deste modo, verifica-se que o legislador já regulamentou tal discussão ao discriminar a competência brasileira para dirimir tais questões.

E, partindo-se dessa premissa, e sua interpretação conjunta com o disposto no artigo 1.715 e 1.658, ambos do Código Civil, há que se concluir que os valores amealhados no Brasil e que foram transferidos para a Exterior devem ser partilhados entre os casais ou herdeiros, uma vez que há mecanismos jurídicos para resolver sobre os bens localizados no exterior na legislação de direito material, a fim de igualar os quinhões ou meação.

No mesmo sentido o artigo 9º da Lei de Introdução ao Código Civil.

Portanto, seja do ponto de vista dos artigos da Lei de Introdução ao Código Civil, do Código Civil e Processual Civil, mesmo não havendo acordo de cooperação internacional é possível partilhar os bens existentes fora do Brasil, mediante a equalização dos valores e sua compensação, mesmo que sua eficácia executiva esteja limitada pela soberania.

No caso de ocultação ou recusa em partilhar os bens móveis (valores aplicados no exterior), deve ser aplicada a pena de sonegação de bens em caso de ocultação ou a colação, uma vez que estes foram angariados no Brasil e não justifica a propositura de uma ação no exterior para a partilha de bens constantes naquele território, uma vez que o casal também possui bens no Brasil e pode ser aplicado a pena de sonegação ou compensação.

Além da possibilidade de aplicação das penas supra citadas, o Código de Processo Civil prevê a expedição de carta rogatória, a qual poderá ser cumprida pela Justiça do País em que encontram-se tais bens, caso esteja de acordo com a legislação do país em que será cumprida. No caso de reconhecer o bem existente também pode ser promovido no Brasil o cumprimento da obrigação reconhecida através da expropriação de bens do devedor.

No entanto, além de tais dispositivos legais o Brasil possui acordos com alguns países sobre cooperação internacional e a fim de sustentar e justificar tal trabalho, cabe trazer o acordo de cooperação internacional com a França para fins de cooperação judiciária em matéria civil, acordo este celebrado em 28/05/1996, que entrou em vigor em 01/10/2000, promulgado através do Decreto 3.598, de 12 de setembro de 2000.

Veja que o artigo 1º deste acordo diz o seguinte:

“1.Cada um dos dois Estados compromete-se a prestar ao outro cooperação mútua judiciária em matéria civil. Para os fins do presente Acordo, a matéria civil compreende o direito civil, o direito de família, o direito comercial e o direito trabalhista”.

No artigo 18º menciona que:

“As decisões proferidas pelos tribunais de um dos dois Estados serão reconhecidas e poderão ser declaradas executórias no território do outro Estado, se reunirem as seguintes condições

(...)”.

Portanto, nos casos em que há acordos de cooperação internacional como o descrito, fica mais fácil a sua execução seja no território nacional ou no país em que localiza-se os bens. O fato é que tal problema hoje não é exclusivo das autoridades judiciárias brasileiras, já que a migração de povos e as famílias transnacionais é um fato mundial que deverá aumentar o número de tratados entre os países a fim resolver sob a ótica do direito internacional privado tal situação.

No caso da França e Brasil andou bem os dois países ao regulamentarem tal acordo, já que de grande valia para as questões regulamentadas.

Por fim, cabe trazer a este trabalho o recente entendimento do Superior Tribunal de Justiça que assim decidiu:

“EMENTA: CIVIL E PROCESSUAL. RECURSO ESPECIAL. DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE CONJUGAL. PARTILHA DE BENS. CPC/73, ART. 89, II. DEPÓSITO BANCÁRIO FORA DO PAÍS. POSSIBILIDADE DE DISPOSIÇÃO ACERCA DO BEM NA SEPARAÇÃO EM CURSO NO PAÍS. COMPETÊNCIA DA JURISDIÇÃO BRASILEIRA.

  1. Ainda que o princípio da soberania impeça qualquer ingerência do Poder Judiciário Brasileiro na efetivação de direitos relativos a bens localizados no exterior, nada impede que, em processo de dissolução de casamento em curso no País, se disponha sobre direitos patrimoniais decorrentes do regime de bens da sociedade conjugal aqui estabelecida, ainda que a decisão tenha reflexos sobre bens situados no exterior para efeitos da referida partilha.
  2. Recurso especial parcialmente provido para declarar competente o órgão julgador e determinar o prosseguimento do feito. (REsp n.º 1.552.913/RJ, relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, 4ª Turma, j. 8/11/2016, DOE 02/02/2017)”.

No caso sub-judice o Superior Tribunal de Justiça entendeu que a justiça brasileira é competente para a partilha do único bem do casal nos autos do processo de divórcio, consistente em dinheiro, bem fungível e caso não seja partilhado a sentença constituíra título executivo a ser executado dentro das possibilidades do patrimônio do devedor.

Portanto, andou bem a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça ao reconhecer sobre a possibilidade de divisão dos bens situados fora do Brasil, pois nestes casos deve ser analisado o direito material e não processual, sob pena de negar o próprio direito.

O STF já havia consolidado o entendimento sobre a possibilidade de partilha de bens situados no Brasil através da partilha realizada no exterior; Sentença Estrangeira n.º 4512, Relator Ministro Paulo Brossard, acórdão de 21 de outubro de 1994, DJ, 02/12/1994; Sentença Estrangeira n.º 7401, Relator Ministro Marco Aurélio, acórdão 11/06/2002, DJ 20/06/2002.

Se a justiça brasileira é competente para dar cumprimento as sentenças homologatórias de divisão de bens situados no exterior, com muito mais razão também deve ser declarada competente para dirimir as questões envolvendo os bens situados em mais de um continente, já que o direito material lhe dá subsídios para decidir nestes casos.

Estamos aqui limitando o estudo a divisão dos bens situados em mais de uma nação, pois quanto aos processos de divórcio ou separação em caso de casamento celebrado com pessoa de cultura diversa pode acarretar conflitos de culturas que vão muito além da esfera do direito internacional privado, exigindo maior estudo.

  • Autor: Dr. Cláudio Melo
  • Data: 24/04/2017