O DANO EXISTENCIAL NO DIREITO DO TRABALHO E A REFORMA TRABALHISTA
Tornou-se cada vez mais recorrente na Justiça do Trabalho pedidos por indenização por danos extrapatrimoniais, dentre eles o dano existencial. Tanto é verdade que o Substitutivo do Projeto de Lei nº 6.787 de 2016 (Reforma Trabalhista), modifica inúmeros dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e traz em seu bojo parâmetros e valores referentes aos danos extrapatrimoniais.
Cumprem serem feitos alguns apontamentos sobre o dano existencial à luz do Substitutivo do Projeto de Lei nº 6.787 de 2016.
O dano existencial no Direito do Trabalho ou dano à existência do trabalhador é uma espécie de dano extrapatrimonial, caracterizado pelos prejuízos sofridos pelo trabalhador devido a condutas ilícitas praticadas pelo empregador.
É um dano decorrente da frustração que impede a realização pessoal do trabalhador, que tem sua qualidade de vida reduzida, por estar impedido de prosseguir e até mesmo de recomeçar seus projetos de vida ficando tolhido de obter crescimento e realização profissional, social e pessoal.
Ocorre nos casos em que a conduta patronal impede o empregado de se relacionar e de conviver em sociedade, sendo submetido a jornadas extenuantes, não concessão do descanso semanal, não concessão de férias de pelo menos 30 dias de descanso após anos de trabalho, fatos que impossibilitam o trabalhador de usufruir de momentos de lazer, por meio de atividades culturais, recreativas, sociais, espirituais, esportivas e de descanso, que lhe trarão bem-estar físico e psíquico.
A teoria do dano existencial surgiu na Itália em meados do século XX, com a prolação de sentenças na corte deste país.
No ordenamento jurídico brasileiro se admite o ressarcimento por danos imateriais, podendo serem citados o artigo 1º, III e art. 5º, V e X da Constituição Federal
Corroborando com os artigos acima transcritos, os artigos 12, 186, 927 e 949 do Código Civil, também mencionam a possibilidade de condenação por indenização por danos morais e lucro cessante, sendo também aplicados nos casos de ressarcimento por dano existencial.
O Direito brasileiro comporta uma visão mais ampla do dano existencial, na perspectiva do art. 186 do Código Civil, segundo o qual "aquele que por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito" Nota-se que em mencionada norma, além do dano moral, comporta reparabilidade de qualquer outro dano imaterial causado a outrem, inclusive o dano existencial, que pode ser causado pelo empregador ao empregado, na esfera do Direito do Trabalho, em caso de lesão de direito de que derive prejuízo demonstrado à vida de relações.
De acordo com o Exmo Desembargador Dr. Vieira de Mello, da 7ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho, o dano existencial é diferente do dano moral. "O primeiro é um conceito jurídico oriundo do Direito civil italiano e relativamente recente, que pretende uma forma de proteção à pessoa que transcende os limites classicamente colocados para a noção de dano moral", observou. Os danos, nesse caso, se refletem não apenas no âmbito moral e físico, mas comprometem também suas relações com terceiros. Na doutrina trabalhista, o conceito tem sido aplicado às relações de trabalho no caso de violações de direitos e limites inerentes ao contrato de trabalho que implicam, além de danos materiais ou morais, danos ao seu projeto de vida ou à chamada "vida de relações". (Processo: RR-523-56.2012.5.04.0292)
Conforme atual entendimento jurisprudencial, inclusive do C. TST, o dano existencial caracteriza-se quando há prova contundente de que o empregado sofreu prejuízo na sua vida fora dos limites do ambiente de trabalho, em razão de condutas ilícitas praticadas pelo empregador. Ou seja, a indenização por dano existencial exige que os fatos imputados ao empregador causem efetivo dano ao projeto de vida ou convívio social e familiar do empregado, cuja prova deve ser abundantemente demonstrada pela parte, aplicando-se a regra dos arts. 818, CLT e 333, I do CPC.
O Substitutivo do Projeto de Lei nº 6.787 de 2016, que trata da Reforma Trabalhista, faz menção ao dano extrapatrimonial, no qual também está inserido o dano existencial:
Art. 223-A. Aplicam-se à reparação de danos de natureza extrapatrimonial decorrentes da relação de trabalho exclusivamente os dispositivos deste Título.
Art. 223-B. Causa dano de natureza extrapatrimonial a ação ou omissão que ofenda a esfera moral ou existencial da pessoa física ou jurídica, as quais são as titulares exclusivas do direito à reparação.
Art. 223-C. A honra, a imagem, a intimidade, a liberdade de ação, a saúde, o lazer e a integridade física são os bens juridicamente tutelados inerentes à pessoa física.
Art. 223-D. A imagem, a marca, o nome, o segredo empresarial e o sigilo da correspondência são bens juridicamente tutelados inerentes à pessoa jurídica.
Art. 223-E. São responsáveis pelo dano extrapatrimonial todos os que tenham colaborado para a ofensa ao bem jurídico tutelado, na proporção da ação ou da omissão.
Art. 223-F. A reparação por danos extrapatrimoniais pode ser pedida cumulativamente com a indenização por danos materiais decorrentes do mesmo ato lesivo.
§ 1o Se houver cumulação de pedidos, o juízo, ao proferir a decisão, discriminará os valores das indenizações a título de danos patrimoniais e das reparações por danos de natureza extrapatrimonial.
§ 2o A composição das perdas e danos, assim compreendidos os lucros cessantes e os danos emergentes, não interfere na avaliação dos danos extrapatrimoniais.
Art. 223-G. Ao apreciar o pedido, o juízo considerará:
I – a natureza do bem jurídico tutelado;
II – a intensidade do sofrimento ou da humilhação;
III – a possibilidade de superação física ou psicológica;
IV – os reflexos pessoais e sociais da ação ou da omissão;
V – a extensão e a duração dos efeitos da ofensa;
VI – as condições em que ocorreu a ofensa ou o prejuízo moral;
VII – o grau de dolo ou culpa;
VIII – a ocorrência de retratação espontânea;
IX – o esforço efetivo para minimizar a ofensa;
X - o perdão, tácito ou expresso;
XI – a situação social e econômica das partes envolvidas;
XII – o grau de publicidade da ofensa.
§ 1o Se julgar procedente o pedido, o juízo fixará a indenização a ser paga, a cada um dos ofendidos, em um dos seguintes parâmetros, vedada a acumulação:
I – ofensa de natureza leve, até cinco vezes o último salário contratual do ofendido;
II – ofensa de natureza média, até dez vezes o último salário contratual do ofendido;
III – ofensa de natureza grave, até cinquenta vezes o último salário contratual do ofendido.
§ 2o Se o ofendido for pessoa jurídica, a indenização será fixada com observância dos mesmos parâmetros estabelecidos no § 1o deste artigo, mas em relação ao salário contratual do ofensor.
§ 3o Na reincidência entre partes idênticas, o juízo poderá elevar ao dobro o valor da indenização.
Cumprem serem feitos alguns apontamentos:
O artigo 223-A do citado projeto, determina que o dano extrapatrimonial, dentre eles o dano existencial, seja regulado exclusivamente pelas regras contidas na CLT. De acordo com a Exma. Desembargadora Dra. Vólia Bomfim, tal fato o torna inconstitucional por provocar a exclusão das já mencionadas regras contidas na Constituição Federal, bem como do Código Civil, sendo este também aplicável aos casos trabalhistas.
Do mesmo modo, a regra contida no artigo 223-B, prevê as causas do dano não patrimonial por ação ou omissão do agente agressor e acaba excluindo o dano por exercício da atividade de risco, contido no artigo 927, parágrafo único do Código Civil.
O artigo 223-E, estabelece que a reparação pelos danos extrapatrimoniais (dentre eles o dano existencial), deve ser na proporção da ação ou da omissão (responsabilidade subjetiva), o que acaba excluindo os casos de responsabilidade objetiva, ou seja, as que ocorrem sem dolo ou culpa.
No §1º do artigo 223-G há a limitação de valores para indenização por danos extrapatrimoniais (moral ou existencial), denominados de naturezas leves, médias e graves, estipulados de 5 a 50 salários contratuais. Tal medida infringe o princípio da igualdade material, que reza que devemos “tratar os iguais de forma igual e os desiguais de maneira desigual, na medida de suas desigualdades”.
Nota-se que o projeto da Reforma trabalhista, no ponto referente aos danos extrapatrimoniais, dentre eles o dano existencial, traz várias limitações e exclusões às regras contidas no ordenamento jurídico brasileiro, fatos que podem limitar a aplicação da norma no caso concreto.
Apesar de haver a fixação de parâmetros de valor pelo projeto da Reforma Trabalhista para os danos extrapatrimoniais, no que diz respeito especificamente ao dano existencial, deve haver uma análise minuciosa de cada caso, bem como das provas que o compõe, devendo sempre ser avaliado o caráter pedagógico e punitivo ao ofensor, bem como a condição de hipossuficiência da parte, objetivando o alcance da justiça no direito à reparação.
Deve-se buscar ainda, respeitar as regras de dano imaterial insculpidas também na Constituição Federal e no Código Civil, bem como aguardar para saber se haverá alguma alteração nas expressões normativas contidas nos referidos artigos da reforma, a fim de conferir maior abrangência na aplicação da norma no âmbito trabalhista, a fim de que não haja um retrocesso na aplicação dos direitos.